Para começar a falar de controle integrado de pragas urbanas é bom darmos uma definição de pragas urbanas. Pragas urbanas são um conjunto de animais, ou fauna, que vive junto com os seres humanos independente da vontade destes. A Instrução Normativa 141 do IBAMA (BRASIL 2006) define estes animais como fauna sinantrópica* nociva, “que interage de forma negativa com a população humana, causando-lhe transtornos significativos de ordem econômica ou ambiental, ou que represente riscos à saúde pública.”
Estes animais estão em busca de água, alimento, abrigo e acesso (conceito dos 4 As muito utilizado no controle integrado das pragas). Estes são os fatores fundamentais para a existência de qualquer ser vivo e com as pragas não poderia ser diferente. Com o crescimento desordenado da população e o aumento da favelização em muitos bairros, principalmente do Rio de Janeiro, há um incremento da produção de resíduos sólidos e precariedade na rede de esgoto sanitário. Todos esses fatores favorecem a proliferação de pragas urbanas, com estas aproveitando-se de dejetos e rejeitos humanos.
Sobre o controle de pragas urbanas, ele é regulamentado pela Instrução Normativa 141/06 do IBAMA (BRASIL 2006). Entende-se que o controle da fauna, a “captura de espécimes animais seguida de soltura, com intervenções de marcação, esterilização ou administração farmacológica; captura seguida de remoção; captura seguida de eliminação; ou eliminação direta de espécimes animais”. Deve ser realizado por empresa certificada pelo INEA (órgão competente no Estado do Rio de Janeiro), não havendo a necessidade de autorização por parte do IBAMA.
Condições de vulnerabilidade da população
Em muitos estados brasileiros como no Pará há precariedade na rede de esgoto, menos de 10% de Paraenses tem acesso a rede de esgoto (dados do G1 em abril de 2018). Em Santarém, que é o segundo maior município do estado, falta saneamento básico no centro da cidade, é possível ver o esgoto passando a céu aberto no meio-fio. Todo ou quase todo o esgoto da cidade é jogado diretamente no Rio Tapajós. A região amazônica tem um alto índice de doenças relacionadas à água, principalmente dengue, malária, hepatite (segundo o site Atual Amazonas) e febre amarela (Fiocruz).
Mas o que é então o controle integrado de pragas urbanas?
O controle integrado de pragas urbanas visa a maior eficiência no controle das pragas aliando as medidas preventivas e corretivas, procurando utilizar o mínimo possível de pesticidas (no caso de controle integrado de pragas fala-se em domissatintários*), pensando sempre na preservação ambiental.
Mas nem sempre foi assim sustentável, procurando sempre causar o menor prejuízo ao meio ambiente. Muitas empresas e pessoas não capacitadas ainda utilizam métodos antigos e não se preocupam com a legislação vigente, causando danos ao meio ambiente, utilizando produtos inadequados de forma descontrolada, sempre visando o maior lucro possível e alta rentabilidade financeira, alterando com isso a fauna e flora locais, poluindo solos, águas superficiais e o lençol freático.
O início de tudo.....
Enquanto o homem era nômade (ou seja, vivia do extrativismo tanto animal quanto vegetal e os recursos se esgotavam em uma determinada localidade, eles iam em busca de um novo local onde tivesse abundância de alimentos) mantinha-se livre do que conhecemos hoje como pragas.
Quando o homem começou a se fixar nos lugares, e os primeiros abrigos foram as cavernas, ele começou a gerar resíduos. Isto fez com que muitos animais começassem a migrar do meio ambiente onde viviam para os lugares onde havia comida em abundância, ou seja, dividir o mesmo ambiente como os humanos. Assim as primeiras pragas, começaram a se proliferar mais rapidamente. Além disso o homem começou a plantar o seu alimento próximo de si e sempre no mesmo lugar isso fez com que várias espécies de animais viessem procurar o alimento fácil.
Na época medieval (séc. III ao XV) foi marcada por um período de muitas doenças (por exemplo a peste bulbônica) já que os feudos eram lugares muito sujos, sem condições de higiene para a população, o que propiciava ainda mais a proliferação de vetores transmissores de doenças./ que afetam a saúde dos moradores dos feudos.
Muitos artifícios eram utilizados para manter as pragas por longe, desde de a utilização de espantalhos (contra aves que consumiam as plantações de grãos) à simples formulas caseiras repelentes contra mosquitos (), contra baratas (naftalinas), cânfora, misturas utilizando querosene, álcool, fumo de rolo, entre outras que muitas vezes só afastavam estes animais indesejados.
Segundo D’Amato et al. (2002) e Chaves (2016) em 1939 Paul Muller, pesquisador suíço descobriu o DDT (dicloro-difenil-tricloro etano) e a partir destes muitos outros compostos foram criados. Esse composto “extraordinário” era capaz de exterminar as pragas de mais difíceis controles, a baixo custo e alta eficácia. Foi muito utilizado na segunda guerra Mundial no combate as pragas que infestavam os soldados e no período pós-guerra na agricultura e no controle de pragas tropicais, tanto no Brasil como no mundo. No entanto os riscos de se utilizar o DDT desenfreadamente (no auge da produção chegou a 81.154 toneladas em 1963), comprometeu drasticamente tanto o meio ambiente quanto à saúde da população. Em 1970, a exemplo da Suécia, começou a erradicação do uso do DDT e organoclorados no mundo todo. No Brasil as primeiras proibições e restrições foram no ano de 1971. Atualmente só é permitido o uso de DDT (1-2 g i.a/m2) no Programa Nacional de controle contra vetores (Ministério da saúde, 2019).
Problemas no uso do DDT
É fato que o DDT foi proibido devido à sua alta toxicidade. Mas o que poderia acontecer se não fosse proibido o seu uso? O que e como o DDT pode afetar seres humanos e o meio ambiente.
Segundo D’Amato et al. (2002) o ser humano pode ser contaminado por inalação ou ingerindo alimentos que tenham sido pulverizados com DDT e demais organoclorados. Todos os organoclorados acumulam-se ao longo da cadeia alimentar, sendo assim o homem como último consumidor é que mais reúne o “veneno” em seu organismo. O DDT atua no sistema nervoso central com alterações do equilíbrio, comportamentais, da atividade da musculatura involuntária, mais comumente da respiratória. Em casos de intoxicação aguda pode ter como sintomas desde um simples desconforto, à ser levado ao coma ao à morte. Existe um grande probabilidade do DDT estar associado à diversos tipos de câncer, devido ao seu efeito acumulativo, principalmente no tecido adiposo, é o que diz o site da CDC (Center for Disease Control and Prevetion). Segundo matéria publicada em 2015 na Revista
internacional National Geograph, mulheres que foram expostas a altas concentrações de DDT, tem risco quadruplicado de desenvolver câncer de mama.
A contaminação ambiental é um fato irrefutável. Resíduos de DDT e outros poluentes orgânicos persistentes (POPs) estão presentes em todas as partes do planeta Terra, inclusive em áreas remotas com em altitudes elevadas dos Alpes chilenos, pólos norte e sul. Este transporte é realizado via animais marinhos, correntes de ar e oceânicas (D’Amato et al. 2002). Segundo o mesmo pesquisador “As taxas de acumulação variam entre as espécies, e de acordo com a concentração, as condições ambientais e o tempo de exposição.” DDT e POPs são acumulados nos organismos tanto pelo contato com o meio ambiente quanto pela alimentação. Desta forma toda a cadeia alimentar é afetada, desde plantas que retiram do solo os minerais e água (tanto solo quanto água podem estar contaminados), quanto herbívoros (que consumem as plantas contaminadas), quanto carnívoros (que comem os herbívoros contaminados), quanto os detritívoros (que consumem todos os elementos da cadeia alimentar depois de sua morte). Quanto mais perto do topo de cadeia estiver o ser vivo, mais compostos POPs ele terá armazenado em seu organismo, pois os compostos organo clorados não são eliminados do organismo se acumulando a cada nível da cadeia.
Então ratos, baratas e cupins tomarão conta do mundo!
Claro que não! Logo após a proibição do DDT e demais compostos organoclorados, foram surgindo outros compostos sintéticos para substituir o DDT com a mesma eficácia. Como alternativa passou-se a utilizar os compostos organofosforados, mais conhecidos como agrotóxicos organofosforados. Existem uma infinidade de formulas das quais 40 delas são utilizadas como inseticidas. A diferença entre os compostos organoclorados e organofosforados é que ao contrário dos primeiros, estes não são acumulados pelo organismo, eles são eliminados através das fezes e/ou urina. São bastante utilizados como inseticidas devido ao baixo custo, meia-vida curta, ou seja são sintetizados pelo organismo facilmente e baixa toxicidade para muitos organismos. Contudo uso de inseticidas requer uso periódico, o que é barato acaba saindo caro, as pragas ficam resistentes, as pessoas correm risco de intoxicação e são causados danos e contaminação ao meio ambiente (Prado 2003).
Então qual é a saída para o controle das pragas?
A melhor forma é pensar de maneira sustentável, utilizando produtos que não agridam o meio ambiente. O controle integrado de pragas visa melhorar a eficácia, rentabilidade, solidez ecológica e sustentabilidade no controle de vetores (IVM 2004).
O Manejo ou Controle Integrado de Pragas (CIP) é a seleção e implementação de vários métodos de controle (e não só um como realizado anteriormente, método químico) de pragas nocivas à saúde humana ou prejudiciais à economia levando em consideração aspectos sociais, econômicos e ecológicos (Prado 2003). O CIP tem como pressuposto a utilização mínima de produtos químicos buscando alcançar o mínimo de impacto ambiental.
Para se desenvolver um programa de controle integrado de pragas urbanas é necessário seguir alguns passos conforme as instruções da ABNT NBR 15.584-2:
Em primeiro lugar deve haver um planejamento de todas as atividades a serem executadas para que se tenha êxito nos resultados.
O segundo passo é conhecer o local em que se deseja realizar o controle de pragas. Isto significa não somente ter as medidas da área, mas conhecer todo o entorno, verificar a direção dos ventos, conhecer a arquitetura do local, verificando o tipo de telhamento, o material de portas, janelas, paredes e pisos. Outro ponto a ser observado é a existência ou não de jardins, áreas de serviço, varandas e muros, como é realizada a coleta de lixo e a limpeza do local. O tipo de imóvel se residencial, comercial ou fábrica, irão auxiliar muito neste momento de diagnóstico.
O terceiro passo é a identificação das espécies, num tratamento integrado não devemos trabalhar com protocolos generalistas. Desta forma saberemos a quantidade determinada de um produto para exterminar aquela espécie. Antes da fase de execução é necessário realizar a determinação dos objetivos, ou seja, se o local exigem a exterminação absoluta das pragas, como em um hospital ou se seria possível a presença de pragas desde que não caracterizasse um infestação a exemplo de um corredor externo de um edifício. Existe para isso uma classificação dos diferentes setores em níveis A, B e C. No nível A estariam aqueles estabelecimentos onde não poderia haver de forma alguma a presença de pragas e nem de resíduos; Nível B não poderia a presença de pragas, mas resíduos de pesticidas e Nível C onde poderia haver a presença de pragas desde que caracterizasse infestação e também a presença de resíduos.
O quarto passo, enfim a execução do serviço que compreende medidas preventivas e curativas. No controle das pragas são consideradas medidas a redução, exclusão e/ou destruição. A redução são todas as ações que inibem a atração destas pragas ao local manejado: troca da iluminação (lâmpadas brancas atraem os insetos, procurar fazer a troca por lâmpadas de cor amarela que não podem ser visualizadas por insetos); ao jogar o lixo fora evite horários de pico de calor e também o contato com a água; evite que os cheiros se espalhem para o ambiente externo atraindo as pragas, com a utilização de filtros em exaustores. Exclusão são medidas que impedem que a praga entre nas áreas internas dos locais a ser manejado, mesmo que em locais próximos as pragas estejam presentes. Deve-se procurar a eliminação completa de aberturas e frestas de portas e janelas, por isso recomenda-se como medidas preventivas a instalação de telas protetoras em janelas, também a colocação de ralos com sistema abre-fecha. Portas automáticas em lugares onde não passam um fluxo grande de pessoas é uma boa medida de exclusão. Tubulações, condutores fiação entre outros podem servir como vias de acesso às pragas, sendo necessária a colocação de telas, acimentar o lugar evitando que o animal indesejado penetre no interior do local a ser manejado. Destruição: quando todas as outras alternativas anteriores (redução e exclusão) já foram esgotadas, não tendo se mostrado eficientes, é hora de se utilizar de medidas de destruição que devem ser rápidas e sustentáveis. Trata-se do extermínio das pragas resultando na morte dos mesmos. Pode ser realizado através de métodos químicos, físico e/ou biológicos. Químicos: procedimento imprescindível no controle de pragas urbanas. Contudo no CIP deve-se levar alguns fatores em consideração para manter a sustentabilidade do método, prejudicando o mínimo possível o meio ambiente. São levados em consideração a molécula, sua formulação, a dosagem, a mistura e a tecnologia de aplicação. Físicas: existem muitos instrumentos de captura de pragas, que vão desde simples adesivos, iscas, ratoeiras, catação manual (tanto da praga quanto de material acumulado que possa servir de esconderijo para a praga ou para a sua presa), e armadilhas luminosas até modernos sistemas de capturam e eletrocutam as pragas. Biológico: somente utilizado na agricultura, este controle populacional é realizado com a utilização de predadores naturais, parasitas ou patógenos.
Quinto passo: A fase de monitoramento é uma das mais importantes pois evita que a infestação volte. Compreendem basicamente as medidas preventivas, mas também pode-se fazer uso de medidas corretivas, preferencialmente a utilização dos procedimentos físicos e em última instancia o controle químico. As ações de monitoramento devem ser realizadas por inspeção visual e devem ser realizadas diariamente, no caso de medidas de prevenção, ou quinzenalmente, no caso de controle de roedores ou insetos.
Sexto passo: A avaliação dos resultados é a fase final do controle integrado de pragas urbanas é muito importante que os resultados alcançados com os tratamentos aplicados sejam anotados e armazenados em um banco de dados para consultas futuras. Segundo Chaves (2016) “Analisar a sazonalidade das pragas e rastrear suas ocorrências propiciam ajustes ao programa, adequações aos objetivos e, principalmente, a escolha de técnicas mais assertivas aos propósitos filosóficos do Manejo Integrado das Pragas.”
Referências
BRASIL. 2006. IBAMA. Instrução Normativa 141/2006, Regulamenta o controle e o manejo ambiental da fauna sinantrópica nociva. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/legislacao/IBAMA/IN0141-191206.PDF. Acesso em: 10. jan. 2019.
CDC. 2019. Disponível em: https://www.cdc.gov/nceh/clusters/fallon/ddtfaq.htm. Acesso em: 12 jan. 2019.
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INCQS – Instituto Nacional de Controle de Qualidade em saúde. 2019. Disponível em: https://www.incqs.fiocruz.br/index.php?option=com_content&view=article&id=88&Itemid=96. Acesso em: 14 jan. 2019.
IVM. 2004. Global Strategic Framework for Integrated Vector Management. Disponível em:http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/68624/WHO_CDS_CPE_PVC_2004_10.pdf;jsessionid=D36A59DFC56C2B9F3A52ABD86A337378?sequence=1, Acesso em 12. Jan.2019.
PRADO, 2003. Palestra. Controle das principais espécies de moscas em áreas urbanas. Disponível em: http://www.biologico.sp.gov.br/uploads/docs/bio/v65_1_2/prado.pdf. Acesso em 12.jan.2019.
SANTOS E DONNICI, 2007. Compostos organofosforados pentavalentes: histórico, métodos sintéticos de preparação e aplicações como inseticidas e agentes antitumorais. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/qn/v30n1/27.pdf. Acesso em: 12 jan.2019.
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Disponível em: https://amazonasatual.com.br/as-doencas-que-mais-matam-no-amazonas/). Acesso em: 10. jan. 2019.
Ministério da Saúde. 2019. Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/vigilancia-em-saude/controle-de-vetores. Acesso em: 12 jan.2019.
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* Do grego “syn” quer dizer junto, agregado e “anthopos” do homem.
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*Domissatintários - São as substâncias ou preparações destinadas à higienização, desinfecção ou desinfestação, por exemplo, raticidas ou inseticidas (INCQS, 2019).